Vulnerabilidade é um dos temas que mais me fascina, talvez porque tenha sido uma das lições mais difíceis – e mais valiosas – que aprendi na vida. E uma das mais contra intuitivas também.
Me lembro com clareza de um momento específico que mudou minha compreensão sobre o assunto. Estava arrasada – sem exageros! – com uma situação envolvendo alguém com quem precisaria conviver frequentemente. O coração doía física e emocionalmente, daquele jeito que só as mágoas profundas conseguem fazer doer.
Em terapia, compartilhei meu medo do próximo encontro inevitável com essa pessoa. Estava certa de que desabaria em lágrimas, que minha voz tremeria, que minha vulnerabilidade ficaria estampada em cada gesto. Me sentia exposta só de imaginar a cena.
Foi então que meu terapeuta – Rô, amor da minha vida, e que tanto me ensinou – me presenteou com uma perspectiva que mudaria para sempre minha relação com a vulnerabilidade. Com aquela sabedoria gentil que só os bons terapeutas têm, ele me disse algo nas linhas de: “Nem todo ambiente merece sua vulnerabilidade. Tem pessoa que não sabe nem o que fazer com ela, e portanto não a merece.”.
E então sugeriu algo que, à primeira vista, parecia contraditório com tudo que eu acreditava sobre autenticidade: que eu tratasse a pessoa com a maior simpatia possível, como se nada tivesse acontecido.
Aquilo me desestabilizou. Não seria isso uma forma de falsidade? De negação? De repressão?
Mas não era. Era, na verdade, uma forma profunda de autocuidado. Era entender que vulnerabilidade não é sinônimo de exposição indiscriminada. Que podemos escolher onde, quando e com quem compartilhamos nossas partes mais sensíveis.
É como se, depois de anos e anos de cuidado meticuloso, você criasse um jardim precioso, delicado e belíssimo. Você deixaria qualquer um entrar e colher suas flores? Não! Você escolhe cuidadosamente quem tem acesso a esse espaço especial.
Como psicóloga tive o privilégio de conduzir muitos grupos terapêuticos formados por mulheres. Me lembro muito de uma turma específica, especialmente engajada e dedicada ao processo, que me ensinou ainda mais sobre o poder da vulnerabilidade consciente. Toda semana, essas mulheres incríveis se reuniam para compartilhar suas dificuldades, desejos e necessidades. E ali, naquele espaço propositalmente construído para isso, a vulnerabilidade fazia sua mágica.
Era lindo de assistir. A cada encontro, à medida que se sentiam mais seguras, elas se permitiam mostrar mais de si. Não era uma exposição dramática ou forçada – era um desabrochar natural, no tempo de cada uma.
E as transformações aconteciam justamente por isso. Porque ali era um ambiente que sabia honrar a vulnerabilidade de cada uma. Um espaço onde as lágrimas eram bem-vindas, onde as dúvidas podiam existir, onde os medos podiam ser nomeados sem julgamento.
Mais uma oportunidade para que eu entendesse profundamente que vulnerabilidade com propósito é diferente de exposição aleatória. É como a diferença entre abrir as janelas de casa num dia de sol e deixar a porta aberta durante uma tempestade.
A vulnerabilidade consciente é uma escolha. É saber que você pode, mas não precisa compartilhar tudo com todos. É entender que contexto importa – e muito.
Em alguns ambientes, como aquele grupo terapêutico, a vulnerabilidade é o próprio caminho da cura. É através dela que vínculos são formados, que mudanças são catalisadas, que crescimento acontece.
Em outros contextos, como aquela situação da minha história pessoal, a escolha de não expor nossa vulnerabilidade é igualmente válida e poderosa. Às vezes, manter certas partes nossas protegidas é a forma mais sábia de honrá-las.
Ao longo da minha vida, aprendi que ser vulnerável com propósito significa escolher conscientemente os espaços onde nos abrimos. Entender que nem todos os ambientes ou pessoas estão preparados para nossa vulnerabilidade. Reconhecer que proteção também pode ser uma forma de autocuidado. Valorizar os contextos que sabem acolher nossa abertura.
E talvez o mais importante: aprendi que vulnerabilidade verdadeira não é sobre exposição, é sobre conexão. É sobre criar pontes, não espetáculos. É sobre compartilhar com propósito, não por pressão ou hábito.
Quando encontramos os espaços certos – aqueles que sabem honrar nossa vulnerabilidade – algo mágico acontece. Nos sentimos vistos sem nos sentirmos expostos.
Compreendidos sem nos sentirmos invadidos.
Acolhidos sem nos sentirmos julgados.
E é assim que a vulnerabilidade se torna não uma fraqueza a ser temida, mas uma força a ser cultivada – com sabedoria, com propósito, com consciência.
A questão não é se devemos ou não ser vulneráveis. É sobre escolher, com cuidado e intencionalidade, onde plantamos as sementes da nossa verdade mais profunda.
Porque no solo certo, com o cuidado adequado, essas sementes florescem em transformação, crescimento e conexões verdadeiras.